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Constitucionalista angolano esclarece gradualismo nas autarquias

Luanda, Angola (PANA) - O constitucionalista angolano Raúl Araújo esclareceu, quinta-feira, em Luanda, que o gradualismo expresso na Constituição da República de Angola (CRA) para a implementação das autarquias no país "é o territorial e não o funcional".

O professor de Direito falava à agência angolana de notícias (Angop) no lançamento do segundo volume da sua obra “Constituição da República de Angola Anotada”, em coautoria com os seus colegas Elisa Rangel e Marcy Lopes, ambos docentes da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (FADUAN).

“Para mim, é uma discussão que não tem muito sentido do ponto de vista académico. Falar em gradualismo pode falar-se de várias formas. Aparecem experiências de vários países que mostram que, quando se fala em gradualismo, (este) é territorial”, afirmou.

Para o ex-decano da FADUAN, o gradualismo funcional é aquele que vai acontecendo ao longo do tempo, um processo moroso, baseado na transferência de funções do Estado para as autarquias.

“Portugal que já tem autarquias há muitos anos, neste momento está a discutir a transferência de competências do Estado para as autarquias, a nível das questões ligadas ao ensino, educação e saúde”, exemplificou.

A CRA prevê, no seu artigo 242, que a institucionalização efetiva das autarquias obedece ao princípio do gradualismo.

Sublinha que os órgãos competentes do Estado determinam, por lei, a oportunidade da sua criação, o alargamento gradual das suas atribuições, o doseamento da tutela de mérito e a transitoriedade entre a administração local do Estado e as autarquias.

Os pronunciamentos de Raúl Araújo surgem numa altura em que o Governo angolano e a oposição estão divididos entre o gradualismo e a simultaneidade na criação de autarquias num país que iniciou preparativos para realizar as suas primeiras eleições autárquicas, em 2020.

O Governo defende um modelo baseado no gradualismo territorial, com uma fase experimental e mediante critérios de seleção dos municípios a serem estabelecidos pela Assembleia Nacional (Parlamento).

Neste modelo proposto pelo Governo e contestado pelos partidos da oposição, que reclamam por eleições simultâneas em todo o país, serão escolhidos para integrarem as primeiras eleições "alguns municípios" que "apresentem níveis de desenvolvimento sócioeconómico e de infraestruturas expressivos no quadro da respetiva província".

Serão também escolhidos alguns municípios rurais, entre outros, "com pelo menos 500 mil habitantes, desenvolvimento sócioeconómico e um historial de capacidade de arrecadação de receita de pelo menos 15 porcento face à média da despesa pública orçamental nos últimos três anos".

Competirá ao Parlamento aprovar a lista dos municípios escolhidos para a experiência inicial num processo de implementação das autarquias locais em todos os municípios do país que deve ser concluído "num período não superior a 15 anos, após a realização das primeiras eleições autárquicas".

Por seu turno, a oposição quer que, territorialmente, as autarquicas sejam implementadas de forma simultânea em todo o país, sendo que, funcionalmente, as competências podem ser transferidas de forma paulatina (gradualismo funcional).

Por isso, os partidos da oposição entendem que se deve realizar eleições autárquicas em 2020 em todos os municípios do país, pela adoção do gradualismo funcional.

Para o efeito, defendem, o Estado deve financiar a implementação das autarquias, assegurar tempos de Antena às campanhas eleitorais autárquicas e reformular a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), para ser um "órgão da administração eleitoral, verdadeiramente independente"

Além da realização de um novo registo eleitoral, "face às inúmeras irregularidades constatadas no atual Ficheiro Central de Cidadãos Eleitores", a oposição exige igualmente a realização de um amplo movimento de auscultação e debate de todas as propostas.

Ela vê no gradualismo geográfico defendido pelo Governo uma manobra "para impedir que os Angolanos ascendam a uma real cidadania e disfrutem do direito de participação nos destinos dos seus municípios".

"Ora, o gradualismo não pode desvirtuar o que se estabelece na Constituição sobre o poder autárquico", indica uma declaração conjunta dos líderes das quatro formações políticas da oposição parlamentar (UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA).

A nota insiste que o gradualismo a ser realizado "tem que ser o que está definido na Constituição e essa obriga que a institucionalização das autarquias locais se realize em todos os municípios, sem exclusão de nenhum deles".

"Essa é também a maneira de evitar excessivas assimetrias municipais, até porque ninguém quer ver o seu município fora deste processo", conclui o documento.

-0- PANA IZ 08junho2018