Agência Panafricana de Notícias

Conflito de soberanias

Dakar, Senegal (PANA) – Quando tudo parece apontar progressivamente para o seu fim definitivo, eis que o conflito líbio transferiu parte das suas ramificações para Addis Abeba, sede da União Africana (UA), na Etiópia.

Desde a queda de Tripoli, que simbolizou, em agosto último, o fim de 42 anos de poder ininterrupto de Muamar Kadafi como o coroar de seis meses de rebelião armada, a capital etíope e sede da UA vive uma tensão latente entre esta organização e as autoridades governamentais locais.

Ainda que, diplomaticamente, custe assumí-la, esta quase-crise é contudo percetível pela "incompatibilidade" das posições das duas partes sobre o estatuto da nova Líbia, configurando um conflito de soberanias com consequências próprias no relacionamento entre as três entidades.

A soberania das pessoas é normalmente entendida como a sua liberdade de tomar decisões sem fazê-las depender de autorização externa ou do bom senso muito menos do senso comum.

Quando estas pessoas são os Estados, este conceito torna-se mais rígido ainda. Aqui, segundo as definições clássicas, ela passa a ser um verdadeiro “poder absoluto e perpétuo, uno e indivisível”.

É poder por ser uma faculdade de impor uma vontade aos outros mesmo contra o seu agrado; perpétuo por ausência de limite temporal; e absoluto por não ser condicionado por outrem “nem receber ordens ou instruções de ninguém e não ser responsável perante nenhum outro poder”.

Por seu turno, a sua unicidade e indivisibilidade assentam na impossibilidade de existirem dois Estados no mesmo território ou espaço geográfico.

Mas no caso vertente, são estes dois últimos elementos – unicissidade e indivisibilidade – que acentuam a polémica em torno do conflito entre as soberanias das três entidades em causa, pois que ainda está por clarificar onde começam e terminam as liberdades absolutas de cada um.

A Etiópia decidiu, soberanamente, reconhecer as novas autoridades da Líbia, à semelhança de muitos outros Estados soberanos membros e não membros da UA. Depois disso, nenhuma outra entidade pode questionar ou reverter esta decisão protegida pelo Direito Internacional.

De igual modo, nenhum outro poder externo pode obrigar os que (ainda) não o fizera(e)m a reconhecer o Conselho Nacional de Transição (CNT) como o representante legítimo do povo líbio.

Por seu turno, e a despeito da mudança de regime pela via revolucionária, a Líbia também continua um Estado soberano e conserva, ipso facto, a legitimidade de exercer esta soberania através, nomeadamente, da designação das pessoas que lhe aprouver para o representar onde quer que seja.

Acontece porém que a situação criada pode transformar-se num impasse, uma vez que o embaixador da Líbia na Etiópia, um Estado soberano que é ao mesmo tempo sede da UA, tinha de escolher entre alinhar com as novas autoridades no seu país ou renovar fidelidade ao regime deposto.

Nos dois casos, o impasse mantém-se, pois um representante do CNT não pode, por enquanto, exercer as suas funções junto da UA, que ainda não reconheceu o novo poder líbio, ao passo que, mesmo se o embaixador optasse por renovar a sua lealdade ao antigo regime, perderia logo a legitimidade para se manter acreditado junto das autoridades etíopes.

Por Fred Cawanda,
Jornalista da Panapress

-0- PANA IZ 17set2011