Agência Panafricana de Notícias

Cabo Verde atribui pensão a vítimas de maus tratos durante regime de partido único

Praia, Cabo Verde (PANA) – O Governo de Cabo Verde deu entrada no Parlamento uma proposta de lei que atribui uma pensão de 75 mil escudos cabo-verdianos (678 euros) às vítimas das torturas e maus tratos ocorridos nas ilhas de São Vicente, em 1977, e Santo Antão, em 1981, durante a vigência no arquipélago do regime de partido único.

A proposta de lei lembra que a primeira República, vigente de 1975 a 1991, foi dominada, em Cabo Verde, por um regime político "que não respeitava os direitos, liberdades e garantias consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 (…)”.

“Nesse quadro jurídico-político”, prossegue o diploma, “era natural que os abusos contra cidadãos cabo-verdianos indefesos, incluindo prisões arbitrárias, espancamentos, violação do domicílio e torturas, sucedessem aqui e ali, sem qualquer possibilidade efetiva, aliás, de apelo ou reparação jurídica”.

O texto refere que “foi o que sucedeu, com especial gravidade, em São Vicente e Santo Antão, em 1977 e 1981, respetivamente”.

“Passadas cerca de quatro décadas, é altura de o Estado, assumindo um irrecusável imperativo de justiça, que a axiologia constitucional hoje resguarda, proceder à reparação possível, como fator de reconciliação histórica, das injustiças e arbitrariedades então praticadas", sublinha.

O documento explica que a reparação em causa consistirá na concessão de uma pensão compensatória mensal às vítimas das torturas e maus-tratos ou, em caso de falecimento, aos seus herdeiros hábeis, nos termos da lei nacional aplicável.

Com a aprovação desta lei, as vítimas das torturas e maus-tratos ou seus herdeiros receberão uma pensão fixada em 75 mil escudos cabo-verdianos (678 euros), o mesmo montante atribuído aos combatentes da liberdade da Pátria, indivíduos que durante a vigência do regime colonial deram o seu contributo, na clandestinidade, na luta pela Independência de Cabo Verde.    

Em caso de morte do beneficiário desta pensão, “têm direito à pensão de sobrevivência os seus herdeiros hábeis, nos termos estabelecidos no Estatuto da Aposentação e da Pensão de Sobrevivência”, lê-se no diploma.

A proposta inicial para aprovação desta lei foi feita, em novembro passado, pelo presidente da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), partido político então na clandestinidade.

Em conferência de imprensa, no Mindelo, ilha de São Vicente, ele pediu que o Governo aproveitasse o Orçamento do Estado para 2019 para incluir os “recursos necessários” para que se fazer justiça a um grupo de cidadãos que foi vítima de “injúrias, espancamentos e torturas”, em 1977.

Para António Monteiro, este apoio é uma forma de fazer justiça a “esses 32 indivíduos, 16 das quais já falecidos, que, alegadamente, iriam "arrebentar com São Vicente à bomba", em 1977”.

A 04 de julho desse ano, foi detido em São Vicente um grupo de cidadãos, acusados de estarem a preparar ataques terroristas, os quais foram torturados e espancados.

Quatro anos depois, na ilha de Santo Antão, um grupo de homens foi detido quando protestava contra o projeto de reforma agrária elaborado pelo Governo de então, liderado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e  Cabo Verde (PAIGC), força política que passou a dirigir o país após a sua Independência de Portugal, em 1975.

Na sequência dessas prisões, outras pessoas exigiram a libertação destes cidadãos e juntaram-se nas suas vozes contra a reforma agrária, o que deu lugar a uma resposta violenta dos militares e a posterior detenção e tortura dos presos, num quartel militar, em São Vicente.

-0- PANA CS/IZ 15maio2019