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Angola recupera projetos cedidos a "empresas fantasmas" do Fundo Soberano

Luanda, Angola (PANA) - O Presidente angolano, João Lourenço, resgatou seis projetos de desenvolvimento agropecuário concessionados pelo seu antecessor, José Eduardo dos Santos, pouco antes do fim do seu mandato, a cinco sociedades detidas pelo Fundo Soberano de Angola (FSDEA) e todas sediadas na mesma morada, revelou a imprensa local.

O FSDEA foi liderado, até janeiro de 2018, por José Filomeno "Zenu" dos Santos, filho de José Eduardo dos Santos, e as cinco empresas, criadas em 2015, apresentam como sede o nº 32 da Avenida 4 de Fevereiro, na Baía de Luanda, num edifício de vários andares.

Têm todas um capital social de dois milhões de kwanzas angolanos (um dólar americano equivale a cerca 290 kwanzas angolanos) e o seu registo data de outubro de 2015, enquanto as concessões foram feitas em fevereiro de 2017 em resultado de um despacho presidencial.

Trata-se das Sociedade Cakanduiwa, SA (SCSA); da Sociedade de Exploração Agrícola da Kadianga, SA (SEAK), da Sociedade da Cakanyama, SA (SC), da Sociedade Makunde, SA (SM) e da Sociedade Agrícola-Cakanguka, SA (SAC).

No despacho assinado em maio de 2016, o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, determina que o FSDEA fica autorizado a deter a totalidade do capital social das sociedades concessionárias dos projetos, diretamente ou através de empresas por si detidas.

"O período das conessões deve ter início com a assinatura dos respetivos contratos de concessão, vigorando para todos um período de 60 anos, sendo automaticamente renovado por um período de 30 anos nos mesmos termos e condições previstos no contrato de concessão", refere o despacho de Eduardo dos Santos citado pelo Novo Jornal.

Por seu turno, o despacho revogatório assinado pelo Presidente João Lourenço, em setembro deste ano, invoca "razões de interesse público" para resgatar a favor do Estado os mesmos projetos, situados em seis províncias diferentes.

Em causa estão os projetos Agroindustrial da Fazenda do Longa, na província do Cuando Cubango, no sul do país e anteriormente concedido à SCSA; o de Desenvolvimento Agrícola de Camaiangala, na província do Moxico (leste), pertencente à SEAK; o de Produção de Milho e Soja, denominado Fazenda Agroindustrial do Cuimba, no Zaire (norte), e o de Desenvolvimento Agrícola de Sanza Pombo, no Uíge (norte), todos atibuídos à Sociedade da Cakanyama, SA.

Trata-se ainda do Projeto de Desenvolvimento Agropecuário do Manquete, no Cunene (sul), anteriormente concedido à Sociedade Makunde, SA; e o Projeto de Produção de Milho e Tilápia, designado Fazenda Agroindustrial de Camacupa, no Bié (centro-sul), anteriormente concedido à Sociedade Agrícola-Cakanguka, SA.

Num outro despacho, o Presidente João Lourenço autorizou a abertura de um concurso público Internacional para a privatização dos seis empreendimentos agroindustriais resgatados a favor de "entidades dotadas de capacidade técnica e financeira".

Zenu dos Santos foi exonerado da presidência do FSDEA, em janeiro de 2018, já no tempo de João Lourenço, e encontra-se em prisão preventiva desde 24 de setembro corrente, juntamente com o empresário Jean-Claude Bastos de Morais, seu amigo pessoal e sócio que foi o principal gestor dos ativos do Fundo Soberano.

O Fundo foi criado em 2012, com cinco biliões de dólares americanos, e tinha na agricultura uma das áreas de investimento da qual esperava elevado retorno e para ajudar o país a libertar-se da dependência do petróleo.

No entanto, os problemas surgiram rapidamente, sendo disso um exemplo o que se passou no Cunene, onde mais de 250 toneladas de arroz estiveram em risco de se perder, por gestão deficiente das empresas contratadas pelo FSDEA, lembra o Novo Jornal.

A prisão preventiva de Zenu dos Santos e Jean-Claude Bastos de Morais foi decretada pelo Ministério Público que moveu contra os dois arguidos um processo-crime referente a atos de gestão do Fundo Soberano em que são acusados de vários crimes", incluindo "associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, corrupção e peculato".

O procedimento criminal visa alguns aspetos da gestão do FSDEA que levaram o Governo angolano a intentar, no passado, uma ação cível a pedir o congelamento internacional de cerca de três biliões dos ativos do Fundo Soberano geridos pela Quantum Global, de Jean-Claude Bastos de Morais.

O Governo angolano indicou estar a tentar reaver os recursos do FSDEA, por considerar que, dos cinco biliões de dólares inicialmente colocados à sua disposição enquanto fundo de investimento, o valor atualmente disponível é inferior ao montante investido.

"Estamos num processo de procurar reaver esses mesmos recursos. Como sabe, foram colocados à disposição do Fundo Soberano cinco mil milhões de dólares - nesta altura deveria existir mais do que isso - porque aquilo é um fundo de investimento e, quando se investe, o objetivo é multiplicar os recursos.

O que sabemos é que temos menos do que esse valor inicial e mesmo assim temos uma ideia de onde é que esses recursos estão: nas Maurícias, em Inglaterra, noutros cantos do planeta e estamos neste momento num processo de reaver esses mesmos recursos", afirmou o chefe de Estado angolano, João Lourenço.

O Presidente angolano sublinhou igualmente que, no ato de transferência de pastas de um Conselho de Administração para outro, a equipa anterior liderada por Zenu dos Santos "não abriu o jogo de forma transparente" sobre a localização dos fundos em causa.

"O normal seria, no ato de transferência de pastas (...) o anterior Conselho de Administração abrir o jogo de forma transparente e dizer onde esses recursos estão. Isso não aconteceu e se aconteceu não foi convincente", denunciou João Lourenço.

Contudo, o Governo angolano perdeu, através do FSDEA, as primeiras ações cíveis intentadas sobre a matéria na Justiça britânica que, em duas ocasiões rejeitou o pedido deste último de recuperar os fundos retidos pela Quantum Global em vários países do Mundo.

Em agosto deste ano, um tribunal londrino rejeitou um recurso interposto pelo Fundo Soberano para recuperar 560 milhões de dólares americanos (477 milhões de euros) retidos em vários países, segundo a Quantum Global.

Pouco antes, um outro tribunal britânico havia igualmente confirmado uma decisão anterior de desbloquear três biliões de dólares americanos incialmente congelados a pedido do FSDEA,
criticando os fundamentos apresentados pelos consultores jurídicos deste último.

-0- PANA IZ28set2018