Agência Panafricana de Notícias

Justiça são-tomense anula decisão parlamentar de exonerar e reformar juízes

Luanda, Angola (PANA) - A Secção Cível, Administrativa e Fiscal do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de São Tomé e Príncipe determinou a “supensão imediata” de uma resolução parlamentar de exoneração e reforma compulsiva de três juízes-conselheiros desta jurisdição superior, noticiou quarta-feira a imprensa na capital angolana, Luanda.

A decisão parlamentar em causa visou os juízes Silva Gomes Cravid, presidente do STJ, e os conselheiros Frederico da Glória e Alice Vera Cruz que votaram a favor da devolução da cervejeira Rosema ao empresário angolano Mello Xavier, a 27 de abril último.

A cervejeira foi entregue em cumprimento de uma decisão do Tribunal Supremo de Angola, que solicitou a devolução de uma carta rogatória enviada às autoridades judiciais são-tomenses para penhorar as ações da empresa Ridux, detida por Mello Xavier, na sociedade Rosema.

Este retorno da Rosema ao empresário angolano foi contestado pelo Governo são-tomense, do primeiro-ministro Patrice Trovoada, que mobilizou e convenceu o Parlamento a aprovar, a 2 de maio corrente, a resolução de exoneração dos juízes seguida de reforma compulsiva.

Segundo Patrice Trovoada, a exoneração e reforma compulsiva dos juízes-conselheiros do STJ teve por objetivo “atacar o cancro” no sistema judiciário do país.

"(..) a Rosema é o segundo maior contribuinte do país, tem compromissos para com o Estado e o Estado não deixará que se faça qualquer tipo de bandalha com a Rosema.

“É preciso que as regras sejam respeitadas e o Estado, perante uma empresa que pesa na economia do país, com a influência na estabilidade macroeconómica, assumirá todas as suas responsabilidades”, afirmou Patrice Trovoada.

Contudo, Silva Cravid desafiou que não iria acatar a decisão parlamentar, tal como o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), por considerarem que ela viola a Constituição.

“Sempre soube que me querem tirar daqui. Aliás, o poder nunca teve receio de dizê-lo. Mas eu não vou acatar nenhuma resolução da Assembleia que seja ilegal, não acato. Vou usar todos os mecanismos à minha disposição para contrariar isso”, disse Cravid aos jornalistas.

Por seu turno, o Conselho Superior da Magistratura Judicial, que também é dirigido por Cravid, declarou que não reconhece "nenhuma faculdade à Assembleia Nacional para promover a destituição ou exoneração de qualquer magistrado judicial e muito menos juízes conselheiros".

Silvestre Dias, juiz da Secção Cível, Administrativa e Fiscal do STJ, foi o único conselheiro não abrangido pela resolução da Assembleia Nacional (AN, Parlamento) e que se demitiu depois em protesto contra a decisão política que afastava os colegas, incluindo o presidente do órgão.

No seu despacho, Silvestre Dias determina que “os juízes-conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça Manuel Gomes Silva Cravid, Maria Alice Vera Cruz Carvalho e Frederico da Glória devem continuar a exercer as funções, nos precisos termos da tomada de posse”.

Em consequência, os magistrados e funcionários judiciais do STJ retomaram terça-feira os seus trabalhos, 24 horas depois de uma paralisação anunciada “por tempo indeterminado” para protestar contra a “destituição" dos três juízes-conselheiros.

A paralisação foi convocada pela Associação Sindical dos Magistrados Judiciais (ASSIMAJUS) e pela Comissão dos Trabalhadores Judiciais como forma de “demonstrar repúdio por mais uma violação da Constituição”.

A resolução parlamentar foi aprovada por 33 dos 55 deputados dos dois maiores partidos com assento parlamentar, designadamente a Ação Democrática Independente (ADI) e o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe – Partido Social-democrata (MLSTP-PSD).

Mello Xavier adquiriu a Rosema, em meados de 1990, através de um concurso público internacional supervisionado pelo Banco Mundial (BM), mas a unidade foi-lhe retirada, na sequência de uma ação que lhe foi movida em Luanda pela empresa angolana JAR, num negócio envolvendo dois navios.

Após a controversa resolução parlamentar de abril passado, o empresário prometeu informar o Governo angolano do que chamou de “sistemáticas violações” do Acordo de Proteção Recíproca de Investimentos assinado pelo Estado angolano com o de São Tomé e Príncipe.

Mello Xavier prometeu, igualmente, alertar o Banco Mundial, enquanto instituição que supervisionou o concurso público internacional que o levou a pagar a fábrica na totalidade, antes de o Governo são-tomense decidir que, pela sua importância da fábrica, uma pequena parte das ações (10%) fosse reservada a cidadãos nacionais.

O empresário afirma que as declarações de Patrice Trovoada põem em causa o princípio da separação de poderes e lembra que, já em 2009, o juiz-presidente do Tribunal de Lemba (distrito onde está situada fábrica) também foi exonerado, por cumprir uma decisão judicial.

Lembra ainda que o processo resulta de um problema entre duas empresas angolanas e, na sequência, o Tribunal Marítimo de Luanda (TML) mandou penhorar as ações da sua empresa, a Ridux, na cervejeira Rosema, e não a totalidade da fábrica.

Por isso, considera estranho que sejam as autoridades são-tomenses a rejeitar insistentemente as ordens do TML e, mais recentemente, do Tribunal Supremo de Angola, de devolver a fábrica ao proprietário, depois de ultrapassadas as razões que levaram à penhora das ações.

Xavier recorda igualmente que existe um Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos entre Angola e São Tomé e Príncipe, assinado em 1995.

Este documento, explica, "vem criar condições favoráveis para investimentos de nacionais ou sociedades de um Estado em território de outro, estimular as iniciativas privadas, incrementando o bem-estar entre os povos, além de intensificar a cooperação económica entre os dois Estados.

Com este instrumento, as partes “asseguram, no seu território, um tratamento justo e equitativo aos investimentos de nacionais ou sociedades de outra parte”. acrescenta.

O documento assegura que “os investimentos de nacionais e sociedades de uma das partes no território de outra parte não podem ser expropriados ou nacionalizados, a não ser por motivos de utilidade pública, mediante indemnizações, que deve ser paga sem demora”.

-0- PANA IZ 09maio2018